A ALEGRIA DO AMOR

Pedro Vaz Patto

O Papa Francisco convida à leitura da sua Exortação Apostólica Amoris Laetitia de uma forma paciente e não apressada. Na verdade, a multiplicidade de temas nela abordados, desde o amor e o diálogo no casal, às crises matrimoniais, à fecundidade e à educação, já levou a qualificar este documento como “enciclopédia” da família. Por coincidência, estava a lê-lo pela primeira vez quando recebi de um casal amigo o pedido de documentos que lhes pudessem servir de ajuda num curso de preparação para o matrimónio onde iriam colaborar.

AmorNão encontrei texto mais atual e completo para esse fim do que este. Ao ler as primeiras notícias, muitos poderão pensar que o tema central desta exortação apostólica será o da integração na Igreja das pessoas divorciadas em nova união. Na verdade, um dos capítulos, com o titulo acompanhar, discernir e integrar a fragilidade, aborda essa questão e também ele exige uma leitura não apressada (diferente da que fizeram a maior parte dos meios de comunicação social). O Papa quer que a todos, sem exceção, chegue o abraço materno da Igreja. Mas não deixa de advertir: «para evitar qualquer interpretação tendenciosa, lembro que, de modo algum, deve a Igreja renunciar a propor o ideal pleno do matrimónio, o projeto de Deus em toda a sua grandeza (...). A tibieza, qualquer forma de relativismo ou um excessivo respeito na hora de propor o sacramento seriam uma falta de fidelidade ao Evangelho e também uma falta de amor da Igreja pelos próprios jovens.

A compreensão pelas situações excecionais não implica jamais esconder a luz do ideal mais pleno, nem propor menos de quanto Jesus oferece ao ser humano. Hoje, mais importante do que uma pastoral dos fracassos é o esforço pastoral para consolidar os matrimónios e assim evitar as roturas» (307). Ou seja, não se trata de renunciar à indissolubilidade do matrimónio, mas de a consolidar, para o que não bastam afirmações doutrinais, mas são necessários testemunhos, conselhos práticos (como os que o Papa dá em muitos passos deste documento), ajudas concretas.

Várias vezes o Papa Francisco havia dito que o desafio maior com que nos deparamos hoje no âmbito da família é o dos jovens que não compreendem o valor do matrimónio. Numa reunião de casais em que participei recentemente, ouvi quem se lamentasse por os filhos dizerem que «casar já não se usa». Diz o Papa a este respeito: «Precisamos de encontrar as palavras, as motivações e os testemunhos que nos ajudem a tocar as cordas mais íntimas dos jovens, onde são mais capazes de generosidade, de compromisso, de amor e até mesmo de heroísmo, para convidá-los a aceitar, com entusiasmo e coragem, o desafio do matrimónio» (40). Depois de falar com grande profundidade e beleza do amor matrimonial à luz do célebre hino a caridade de São Paulo, o Papa afirma: «Quero dizer aos jovens que nada disto é prejudicado, quando o amor assume a modalidade da instituição matrimonial.

A união encontra nesta instituição o modo de canalizar a sua estabilidade e o seu crescimento real e concreto. (...) (o matrimónio) ... como instituição social, é proteção e instrumento para o compromisso mútuo, para o amadurecimento do amor, para que a opção pelo outro cresça em solidez, concretização e profundidade, e possa, por sua vez, cumprir a sua missão na sociedade. Por isso, o matrimónio supera qualquer moda passageira e persiste. A sua essência está radicada na própria natureza da pessoa humana e do seu caráter social. Implica uma série de obrigações; mas estas brotam do próprio amor, um amor tão decidido e generoso que é capaz de arriscar o futuro» (131). E acrescenta: «Semelhante opção pelo matrimónio expressa a decisão real e efetiva de transformar dois caminhos num só, aconteça o que acontecer e contra todo e qualquer desafio. (...) O amor concretizado num matrimónio contraído diante dos outros, com todas as obrigações decorrentes dessa institucionalização, é manifestação e protecção dum “sim” que se dá sem reservas nem restrições. Este sim significa dizer ao outro que poderá sempre confiar, não será abandonado, se perder atrativo, se tiver dificuldades ou se se apresentarem novas possibilidades de prazer ou de interesses egoístas≫ (132). Este amor não é estático, tende a crescer cada vez mais: «O amor matrimonial não se estimula falando, antes de mais nada, da indissolubilidade como uma obrigação, nem repetindo uma doutrina, mas robustecendo-o por meio dum crescimento constante sob o impulso da graça.

O amor que não cresce, começa a correr perigo; e só podemos crescer correspondendo à graça divina com mais atos de amor, com atos de carinho mais frequentes, mais intensos, mais generosos, mais ternos, mais alegres» (134). E disto, e muito mais, que nos fala a Amoris Laetitia. Merece, pois, uma leitura paciente e não apressada, como nos sugere o Papa Francisco.

• CIDADE NOVA | N.º 05/2016 3