Santos de quem ninguém fala

Nos corredores do Parlamento Europeu em Bruxelas, diz-se, muito ironicamente, que, em Portugal, há quem dê mais importância ao título académico do que ao saber teórico-prático a que o título corresponde.
Uns amigos meus comentam que isso é o politicamente correto aplicado às peneiras e às manias, ao provincianismo balofo e à letra pela qual se ganha. De facto, apregoa-se a igualdade entre as pessoas, mas procura-se a desigualdade de tratamento. Valoriza-se teoricamente a dignidade, mas cai-se na patetice de se achar que o valor do cidadão está no parecer, na qualificação, e não no ser e no fazer! E não é só entre académicos: é também entre pessoas mais simples. Alguns políticos gastam os neurónios a inventar novos nomes para profissões antigas. Por exemplo: dantes, chamavam-lhe varredor; agora, chamam-lhe assistente operacional de higiene.
Dantes, chamavam-lhe contínuo; hoje, chamam-lhe assistente operacional em funções de ação educativa. Pois bem, o valor destas duas profissões (e de milhares de outras) - não importa o nome que agora lhes dão - está na dignidade e competência com que o trabalho é feito! Se alguém faz depender o seu valor do título pomposo, então terei de concordar que são peneiras como essas que dão razão aos que definem tais pessoas como mesquinhas, pelintras de riqueza e raquíticas de sabedoria, iludidas por viver dentro de balões que qualquer situação pontiaguda faz rebentar... Acontece que, ao lado das profissões e dos empregos, há atividades e trabalhos não remunerados, para os quais não há títulos, nem qualificações, nem gratificações, sobre os quais recai o labéu da desconsideração.
Estou a pensar no trabalho de milhões de mulheres cuja profissão é serem mães. O que elas fazem por amor, meu Deus! A estas mães, quero juntar o exército dos pequenos da sociedade que, de forma caritativa, voluntária e gratuita, fazem, em prol do seu semelhante, o que os grandes, cheios de títulos, não costumam fazer. Para além de serem pequenos e humildes na sociedade, a sua desconsideração explica-se, também, por não serem alvo dos interesses ideológico-partidários nem estarem sob os holofotes dos meios de comunicação social. No seu agir silencioso e na ausência de publicidade, eu vejo as Paróquias, os Centros Sociais, a Caritas, as Conferências de S. Vicente de Paulo, as Fundações, muitas ONGs e um sem-número de pessoas singulares, sem títulos académicos nem qualificação laborai, a trabalhar, amável e graciosamente, para que as coisas más não sejam tão más e as vítimas da malvadez deixem de ser vítimas.
O mundo desconhece ou esquece essas pessoas, porque elas não têm o nome escancarado nos jornais e as suas ações nem sequer têm direito a notícia de telejornal! A essas pessoas é que eu chamo “santos de que ninguém fala” e que bem mereciam mais respeito e consideração da parte dos poderes constituídos. Bem sei que é um atrevimento meu chamar-lhes santos, que a santidade implica muito mais. De qualquer forma, são pessoas que sobressaem pelo sacrifício, pela generosidade, pela sinceridade e pela paciência. E pela alegria! Não fazem milagres, é certo, mas fazem aquelas coisas que toda a gente deveria fazer quando estão em causa necessitados a estender a mão com olhar suplicante.
Cón. Manuel Maria in a defesa (21 de novembro de 2018)