A Quaresma e o deserto em que estou metido

A Eucaristia do primeiro domingo da Quaresma, nos anos A, B e C, abre com as tentações de Cristo no deserto, espécie de parábola em movimento das três espécies de problemas que Cristo enfrentou e que cada um de nós tem de enfrentar. Na linguagem bíblica, o deserto é o lugar onde habitam as forças do mal, contrárias a Deus e aos homens, mas onde se pode fazer uma experiência de vitória, apoiados na graça e no poder de Deus. Os três Sinóticos sublinham, que depois do Seu batismo, tendo recebido o Espírito Santo, Jesus é por Ele impelido para o deserto da vida, como penhor de fidelidade e vitória. Vejamos como:
1 - A tentação do Pão: «Se és o Filho de Deus, ordena a estas pedras que se transformem em pães» (Mt 4,3). Jesus, além de homem, é Deus. Mas o comum dos homens, quando têm fome, não tem poder para transformar as pedras em pães. Jesus recusa-se a pôr ao seu serviço, o poder divino que tem, destinado à glória a Deus e ao serviço dos homens, seus irmãos. Por isso responde: «Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus» (Dt 8,3). Esta tentação mostra o modo errado de relação com as coisas, pondo ao nosso serviço, de modo egoísta e corrupto, os bens e o poder que temos, o lugar que ocupamos, a influência que exercemos, muitas vezes aproveitada para proteger os próprios interesses, os dos familiares, o dos correligionários do partido e dos filiados no seu grupo elitista e ideológico, afastando os mais competentes e qualificados. A tentação do pão, a idolatria do dinheiro no mundo de hoje é gritante, escandalosa e homicida: vinte por cento da humanidade consome oitenta por cento da produção mundial, condenando milhões a morrer de fome e desnutrição. Como se pode criar uma nova ordem mundial? Como Jesus vence a tentação do pão? Recorrendo à Palavra de Deus. Como queres cantar vitória, não escutando e obedecendo a Deus que te chama a construir um mundo mais fraterno, mais justo e solidário?
2 - A tentação dos milagres. Esta tentação mostra o modo falso de relação com Deus. O demónio insinua: -«Es o Filho de Deus? Mas que vida tão apagada e desprezível! Faz um gesto espetacular para que todos vejam e acreditem em ti! Lança-te daqui abaixo, pois está escrito: Dará a teu respeito ordens aos anjos; eles suster-Te-ão nas suas mãos para que os teus pés não se Firam em alguma pedra» Aqui Jesus recapitula as nossas tentações de exigir milagres a Deus, porque somos bons e crentes, porque participamos na Eucaristia, porque... Muito enveredam pelo atalho das seitas, da bruxa, dos horóscopos, dos médiuns, do espiritismo, do reiki, ioga e das religiões orientais. Abandonam a casa do Pai, zangados com Deus que não tende os seus desejos e caprichos. Querem um Deus ao seu serviço, tipo bombeiro e esquecem-se de se pôr ao Seu serviço, passando dos porquês para os para quês de Deus. Na última reunião do JOPACA (Jovens da Paróquia do Carmo), realizada no sábado passado, foi lido o testemunho de uma menina com excecionais qualidades para a patinagem artística e que aos dezasseis anos teve uma doença grave que a incapacitou para a modalidade. Foi proposto que os dezasseis jovens presentes optassem por uma das três atitudes possíveis: Amigos de Deus, zangados, ou um meio termo. Seis escolheram a segunda atitude, dez a última e ninguém optou pela primeira. Em conjunto descobrimos a surpresa de passar do porquê para o para quê e, então, fez alguma luz. Como é que Jesus venceu? Com a espada da Palavra de Deus. E tu?
3 - Tentação dos ídolos, ou a denúncia da relação errada com as pessoas: tentação do ter, do poder, do prazer, do domínio, da competição, do prestígio, da exploração do homem pelo homem, são alguns dos sintomas onde impera a lógica do diabo. A lógica de Jesus é escolher servir, em vez de dominar. E a tua?
António Aparício in Noticias de Beja (22 de fevereiro de 2018)