O processo da secularização

A secularização é um processo histórico, um devir contínuo de modificações, uma passagem de uma forma mitológica de interpretação dos fenómenos para outra totalmente diferente, em que, em vez da afirmação mítica, se passa à explicação racional. Se, antes, tudo tinha conotação religiosa, agora tudo ganha um contexto profano. Não é, singularmente, um facto social estático nem um movimento dinâmico ideológico. Mas é isso tudo em conjunto e ao mesmo tempo, e muito mais ainda. Aquilo a que chamamos secularização acompanhou épocas históricas, no decorrer das quais alguns elementos constitutivos da cultura foram subtraídos ao domínio das religiões - não importa quais, nem sequer se eram religiões na verdadeira aceção da palavra. A secularização foi acontecendo como reação à sacralidade com que tudo era interpretado desde os primórdios da humanidade, pois os primitivos viam manifestações do sagrado em quase tudo: na água, na terra, no fogo, nas plantas, nos animais, nas pedras. A vida decorria segundo as explicações que os deuses do céu sagrado davam - ou se interpretava que davam!
Agora, ao falarmos de secularização em termos específicos, temos diante dos olhos um movimento racionalista europeu que teve início aquando das ideias enciclopedistas da Revolução Francesa, que se foi manifestando como Iluminismo contra a religião católica.
Teve o seu início no século XVIII, graças à maçonaria francesa, mas sem que se perceba o momento exato desse início. Sabemos que, nesse processo histórico, o catolicismo foi perdendo amplas zonas de influência na sociedade, umas vezes naturalmente, outras à força de interesses e de políticas anti- católicas. Quer dizer: a secularização foi (e continua a ser) a passagem do mundo do sagrado para o mundo do profano e da interpretação da vida da primeira para a segunda asserção. A própria palavra «século» (donde deriva o termo «secularização» e a palavra medieval «segre») tem essa conotação: dá-se valor ao que é «deste» mundo, [a que Gil Vicente chamava «segre segundo» em oposição ao «segre primeiro», o céu]. A literatura medieval, por exemplo, apresenta-nos textos poéticos dos «segréis» - os segréis eram autores e intérpretes de poesia secular, profana, mundana. Consequência: a muitas centenas de anos de distância e depois de contínuos trabalhos de desenvolvimento social e de explanações racionais, o homem foi perdendo a capacidade de se encantar: continuam a existir lugares sagrados, explicações míticas e vivências de totalidade física e espiritual, mas o Sagrado (com letra grande) perdeu muito da sua visibilidade numa natureza à qual se retirou o carácter simbólico, por ter sido transformada em realidade puramente física, objeto de explicação racional e de domínio técnico. Na Idade Média, a Mãe-Natureza ainda era vista como Mãe da humanidade! Hoje, na sociedade secularizada, o sobrenatural perdeu o seu papel relevante e de interesse. Os símbolos e as instituições religiosas ofuscaram-se e estão a desaparecer.
Conclusão: a secularização levou a que o homem, autónomo e independente, afastado das normas de comportamento e das leis de consciência moral, não precise de Deus para nada. Só lhe interessa o culto do corpo, em oposição à doutrina da alma e da vida eterna...
Cón. Manuel Maria in a defesa, 3 de outubro 2018