A IGREJA E A SUA RE-FORMA

ENSAIO
A IGREJA E A SUA RE-FORMA
O Papa Francisco recolocou no centro, com vigor e clareza, o imperativo exigente da reforma. Trata-se de voltar a despertar na Igreja, a todos os níveis e em todas as expressões, o impulso interior a assumir e os caminhos concretos a empreender, no aqui e agora, marcados pelo Espírito no quadrante da História, para se con-formar, pessoal e comunitariamente, à “forma” de Jesus, isto é, à substância e ao estilo da sua experiência, na medida em que estes expressam e comunicam o desígnio primitivo, e ainda in fieri, sobre o Homem e o cosmos.
É esta a herança mais preciosa e mais interpelante do Vaticano II, de que o Papa Francisco lança, de novo e profeticamente, o evento e a promessa, com o timbre do ministério de unidade que lhe é próprio, enquanto Bispo de Roma.
É significativo que o tema da “reformatio tam in capite quam in membris” (a reforma tanto na cabeça – a hierarquia – como nos membros do Povo de Deus) comece a aparecer, a nível conciliar, no século XIV. Quando acontecia que a figura de Igreja, que surgiu a partir da luta pela sua liberdade em relação ao poder político, empreendida por Gregório VII – sob o fundamento da herança de luzes e de sombras deixada à Igreja pelo Imperador Constantino e depois por Carlos Magno – começava a mostrar preocupantes fendas, não obstante a idade de ouro do século XIII, com o florescer evangélico das Ordens Mendicantes, e isto precisamente pela visão hierocrática de Inocêncio III e de Bonifácio VIII.
A exigência da reforma explode depois no movimento protestante e, da parte católica, concretiza-se no ritmo que o Concílio de Trento imprime aos seus trabalhos, na produção, simultaneamente, de decretos doutrinais e de decretos de reforma, plasmando, por sua vez, a figura da Igreja católica nos séculos sucessivos, até ao Vaticano I e depois. É o tempo – difícil e indeciso – da modernidade, que a Igreja católica consegue, apesar de tudo, atravessar, com não pequenos êxitos, sobretudo graças a carismas como a reforma teresiana do Carmelo e o extraordinário papel de Inácio de Loyola e da Companhia de Jesus.
O Vaticano II mudou de página. Porque uma novidade robusta e rica de consequências está no facto de o último Concílio introduzir programaticamente a ideia da reforma, na interpretação performativa que propõe como evento e instituição. Portanto, se é verdade – como mais de uma vez afirmou Bento XVI – que esta proposta do Vaticano II é uma «reforma na continuidade», é também verdade que, pela primeira vez, se trata de uma reforma que – sem nada querer desperdiçar ou esquecer daquilo que é essencial – pretende, num só olhar, traduzir no hoje o coração palpitante do Evangelho de Jesus. E fá-lo com a maturidade, sem dúvida, adquirida em virtude da ação incessantemente renovadora e “encarnante” do Espírito Santo e no discernimento daqueles sinais dos tempos que hoje anunciam – como diz o Papa Francisco – não uma época de mudança, mas uma mudança de época.
Para dar só alguns exemplos: com o ecumenismo, a Igreja católica renuncia à sua “forma” entendida como absolutista, com a globalização à sua “forma” tipicamente ocidental, e, no encontro com as religiões, reveste-se da “forma” nova do diálogo. Daqui o não pequeno desafio de hoje.
Piero Coda
Cidade Nova | N.º 10/2016