A cultura europeia matou Deus… e agora?

Há muito tempo que várias vozes vêm falando da questão da islamização da Europa. Até há pouco, parecia um tema algo anacrónico. Hoje, é um facto e começa a ter contornos que muitos julgavam inimagináveis.

Não nos referimos sequer aos atentados terroristas que vão crescendo de tom e vão lançando o pânico num cada vez maior número de países. São atentados irracionais, cobardes e que tocam níveis de indignidade humana nunca antes experimentados. O terrorismo é sempre inqualificável e a Europa tem uma triste história neste capítulo com várias alíneas.

O tema que aqui hoje nos traz é, contudo, a reacção que se começa a notar na Europa contra a cultura islâmica que está cada vez mais presente no quotidiano europeu. Vão surgindo manifestações contra a islamização, nomeadamente na Alemanha, na Suécia, na Dinamarca, um pouco por todo o lado. Este facto, merece-nos uma reflexão.

A história da Europa, depois do século XVIII, o chamado século das luzes, decidiu banir Deus da História. Proclamou-se a morte de Deus com pompa e circunstância; gritou-se nas praças que para o homem ser livre, Deus tinha que ser aniquilado; pretendeu-se substituir a religião por uma cultura humana cheia de bons e ingénuos propósitos; fez-se da liberdade, igualdade e fraternidade o lema da modernidade. Os resultados estão à vista: Da morte de Deus passou-se à morte do homem; o século XX que se pretendia como o século da promoção da dignidade humana, conheceu os maiores horrores que se praticaram na história da humanidade contra o homem, com duas guerras mundiais e fenómenos como o holocausto, os Gulag e o terrorismo; do ideal da modernidade… resta a liberdade como um sonho com que nos vamos iludindo, já que a igualdade é uma utopia que cava fossos inacreditáveis entre os que têm de mais e os que têm o essencial e a fraternidade deu lugar aos egoísmos exacerbados e às ganâncias doentias. A Europa descobre-se, neste dealbar do século XXI, sem alma, envelhecida, a apostar cegamente numa cultura de morte, a desmoronar economicamente, sem ideais e sem esperança. Claro que também há progresso mas… sem alma, o futuro de qualquer civilização estará hipotecado.

O confronto que está a acontecer não é o choque entre a civilização cristã e a civilização islâmica mas entre esta e a cultura pós-cristã, da era do vazio e da náusea existencial. Esta é a ferida que muitos não querem ver mas que urge tratar com os antídotos adequados sob risco de infectar irremediavelmente.

Só a redescoberta dos seus ideais e das suas raízes e só o reencontro com a sua alma poderia habilitar a Europa para o confronto civilizacional que temos pela frente. A grande herança europeia no presente, é a cultura do bem-estar, do progresso como um fim em si mesmo, duma réstia de direitos sociais, da abundância, dos consumos e do hedonismo. A grande preocupação é que a economia funcione segundo os padrões dos grandes grupos e dos lóbis. Tudo o mais é negligenciado. Entretanto, ao nosso lado, há um Continente a morrer à fome que grita por justiça social e por valores de um verdadeiro humanismo. Não nos havemos de admirar que todos os dias aportem milhares de clandestinos esfomeados em busca do pão que por aqui sobra.

O combate é desigual. O humanismo ingénuo da cultura europeia desvalorizou o valor e a importância da religião na vida dos povos e agora não sabe o que fazer com uma cultura que tem uma alma fortíssima, com gente pronta a morrer pelos seus ideais e com convecções inabaláveis. Gente que aposta na vida, com uma ética clara e uma moral forte. Podemos não nos identificar com os seus ideais e muito menos com a sua instrumentalização mas não podemos deixar de reconhecer neles valores que também já tivemos e que a cultura europeia preferiu aniquilar. O confronto é entre uma cultura dita civilizada, cheia de direitos, liberdades e garantias mas envelhecida e sem alma e uma cultura que tem na juventude, nos seus ideais e na sua crença os seus maiores trunfos.

A questão é esta: Estará a Europa ainda a tempo de rever os seus erros históricos, de ter a coragem duma autocrítica regeneradora e recuperar o suplemento de alma que lhe vai faltando? Urge contar às novas gerações a verdade da história da civilização europeia, é importante dizer aos jovens como chegámos a este estado de coisas para que não se venham a surpreender com os fenómenos que nos ameaçam. Talvez o segredo possa estar mesmo nas novas gerações quando estas reaprenderem que o caminho da história, para ser humano e humanizante, necessita do abraço de Deus."

Cón. Mário Tavares de Oliveira, Semanário a Defesa, 28 de Janeiro de 2015.