Chorar silenciosamente

Chorar silenciosamente
O choro terá surgido antes da linguagem falada, como expressão mímica para comunicar dor, desejo, fome ou solidão. E uma espécie de instinto, de sexto sentido, que a racionalidade teve de assumir, já que o não conseguiu vencer nem muito menos controlar. Tal como o riso, o choro é um exclusivo do ser humano. Por isso, chorar é natural, é saudável, faz bem, liberta de frustrações e de stress, traz consigo uma sensação de alívio e de calma. Choramos comovidamente em momentos de despedida, de pequenas vitórias, de grandes derrotas, de tristeza, de saudade, de alegria, de emoção estética. Choramos de raiva, de medo, de solidão, por solidariedade, por empatia, por amor e como estratégia de chamada de atenção. Choramos em segredo quando é preciso ser forte, e efusivamente quando a razão desce ao coração. Por isso, chorar não há de ter a interpretação tradicional de um sinal de fraqueza, porque não são os acontecimentos que provocam o choro, mas a forma como se sentem — e é tremendamente i difícil controlar os sentimentos. Além do mais, não há lágrimas certas e lágrimas erradas. As interpretações erróneas do choro e das lágrimas é que contribuíram para que a sociedade adulta ocidental deixasse pouco espaço para a expressão das emoções, a ponto de ser “normal” as mulheres chorarem mais que os homens. As vezes paro para escutar, qual prolongado som de sino, aquela í frase de S. Paulo (Rom 12,15):
“Alegrai-vos com os que se alegram e chorai com os que choram" ou a palavra do Eclesiastes (Ecl 3,4) “Há um tempo para chorar e um tempo para sorrir". Parece inferir-se daqui que não devemos ser indiferentes para com quem chora, tal como não devemos ser ciumentos quando alguém está alegre. A autêntica “simpatia” está em chorar com quem chora e rir com quem ri. E curioso que costumamos ter manifestações de maior simpatia em momentos de felicidade do que em momentos de dor e sofrimento. Porquê? Porque um dos nossos maiores defeitos é viver distraídos dos problemas dos outros, tão ocupados andamos com a absolutização dos nossos! E, no entanto, nada é tão reconfortante para quem chora que saber que as lágrimas, vertidas silenciosamente, são respeitadas por quem, corretamente, as sabe interpretar. Por detrás dessas lágrimas - às vezes mais contidas que choradas - há motivos muito mais profundos que as razões que as querem calar. Morte, angústias, solidão, sofrimento psíquico, decisões forçadas, sentimento de culpa, momentos que a memória teima em não apagar. Não rara- mente são silêncios que o remorso, a troco de nada, espevita e traz para a ribalta. Imagino a dor que vai na alma de quem está nessas circunstâncias. Lembro, a propósito, aquele episódio do profeta Jeremias que diz: «Ouvem-se, em Ramá, lamentações e amargos gemidos. E Raquel que chora, inconsolável, os seus filhos que já não existem» (Jer 31,15). Por serem palavras proféticas, preanunciaram o que viria a acontecer séculos depois, quando a vida de Jesus esteve em perigo porque o rei Herodes ordenara que todos os meninos de Belém, com menos de 2 anos de idade, fossem mortos. Hoje, em sentido figurado, pode aplicar-se o texto ao choro silencioso de todas as mães que perdem os seus filhos nos atos de barbárie de que a atual civilização está cheia.

Cón. Manuel Maria in a Defesa, 4 de setembro de 2019